STJ homologa acordo que livra Vale de pagar R$ 1 bilhão de ISS
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou um acordo entre
a Vale e o município de Mangaratiba (RJ) em que a mineradora se compromete
a pagar R$ 200 milhões de Imposto sobre Serviços (ISS) via transação tributária.
A empresa, na prática, sai ganhando com a decisão, pois o auto de infração
estaria hoje em quase R$ 1 bilhão. O processo foi extinto.
O litígio, que tramitava há mais de 10 anos, foi cheio de idas e vindas. O STJ já
havia começado a analisar o caso, em setembro do ano passado. O placar estava
empatado, mas o julgamento teria de ser reiniciado porque o ministro Marco
Aurélio Bellizze, que entrou no colegiado depois e daria o voto decisivo, não
acompanhou a questão desde o início. Antes da retomada do julgamento,
porém, Vale e prefeitura preferiram entrar em consenso.
A cobrança foi gerada porque o município entendeu que a Minerações
Brasileiras Reunidas (MBR), controlada da Vale, subfaturou serviços portuários
prestados à mineradora para reduzir a base de cálculo do ISS. O preço pago
pela Vale à MBR por tonelada seria mais de 30 vezes menor do que o praticado
por operadoras vizinhas na Ilha de Guaíba, segundo a prefeitura. Essa
diferença, para o município, configuraria evasão fiscal.
Esse processo também motivou denúncia do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro (MP-RJ) contra ex-diretores da MBR por fraude tributária. Ela
foi apresentada em 2021, mas ainda não há sentença na ação penal. O caso é
indicado pela Vale no último formulário de referência como relevante, pois
poderia “gerar danos à imagem".
No acordo homologado no STJ, ao qual o Valor teve acesso, chamou a atenção
de advogados que a transação não foi feita por meio de edital, como costuma
acontecer. O parecer do Ministério Público Federal (MPF) foi contrário à
homologação, por “evidente violação à lei municipal".
As partes dizem que o valor original do tributo era de R$ 137 milhões, por isso,
esse deve ser o montante considerado para “fins de análise de eventual renúncia
fiscal”. Aplicando-se correção monetária e desconto, chegou-se aos R$ 200
milhões. Isso evita o pagamento de mais de R$ 260 milhões de honorários
advocatícios, além de multa e juros.
O pagamento será feito em oito parcelas de R$ 25 milhões. A quitação ocorrerá
em novembro de 2027. A prefeitura justifica a medida por conta do empate no
julgamento, o que evidencia “conflito interpretativo e do risco para a
arrecadação”.
“A composição pactuada, portanto, revela-se medida razoável, proporcional e
juridicamente adequada, pois assegura o ingresso de recursos expressivos aos
cofres públicos, mitigando riscos de perda total do crédito e preservando o
interesse público sob a ótica da eficiência e da responsabilidade fiscal”, escreve
o secretário do Tesouro de Mangaratiba, Marcello Costa da Rosa.
O acordo foi homologado por unanimidade na sessão de julgamento de ontem.
O relator, ministro Teodoro da Silva Santos, lembrou que honorários não são
devidos em caso de homologação de transação tributária. “Homologada a
transação, impõe-se a extinção do processo com resolução do mérito nos
termos do artigo 487, inciso III, 'b' do CPC”.
O advogado João Vitor Kanufre Xavier, sócio do Galvão Villani, Navarro,
Zangiácomo e Bardella Advogados, diz que as partes podem, a qualquer
momento, fazer acordo durante o processo. “Em matéria tributária,
normalmente, a parte adere a um parcelamento que já existe, a uma transação
mais regulamentada, via edital”, afirma. “Nesse caso, me parece uma transação
bem customizada para o contribuinte.”
Na visão dele, isso pode afrontar o princípio da isonomia, pois não foi oferecida
a mesma condição para outros contribuintes. “É um negócio processual que,
inclusive, só se vale da lei municipal, não tem um decreto que regulamenta, não
tem um edital que ofereça as mesmas condições para outros contribuintes”,
adiciona Xavier, reforçando que a medida é incomum.
O caso foi ao Judiciário após o município cobrar a diferença do ISS devido,
com base no artigo 148 do Código Tributário Nacional (CTN). A sentença deu
razão à prefeitura, mas foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(TJRJ). Enquanto a primeira instância entendeu que o arrendamento feito pela
MBR à Vale “constitui uma manobra para pagar menos imposto”, o TJRJ
decidiu que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, sujeito “à autonomia
da vontade das partes”.
A Vale pediu anulação da sentença, com a alegação de que o juiz a proferiu
horas antes de ser aposentado compulsoriamente, por ter supostamente
favorecido a reintegração de policiais militares. Mas o pedido foi negado, pois
a portaria que afastou o magistrado foi publicada no Diário Oficial dias depois.
No recurso ao STJ, a companhia dizia que a fiscalização não apresentou provas
suficientes e que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço - não o praticado
pelo mercado. Defendia ainda que os custos no Porto de Mangaratiba são
menores por ele ser privado e só exigir pagamento de mão de obra, ao contrário
dos portos vizinhos, onde é necessário o aluguel da estrutura.
O relator, ministro Teodoro da Silva Santos, havia votado a favor do município.
Disse que a disparidade de preço exacerbada abala a receita municipal e que a
Vale parte da “premissa equivocada acerca da liberdade de contratar, que
encontra limites justamente para não permitir a redução artificial do imposto
devido”.
“Mostra-se legítima a iniciativa do Fisco municipal de apurar e arbitrar a base
correta do imposto em processo próprio”, disse ele, em sessão anterior. O
relator foi acompanhado pelo ministro Afrânio Vilela. Divergiram a ministra
Maria Thereza de Assis Moura e o ministro Francisco Falcão. Entenderam que
o recurso não deveria ser conhecido, por precisar de reanálise de provas, o que
é vedado pelo STJ (REsp 2098242).
Procurada, a defesa da prefeitura de Mangaratiba não deu retorno até o
fechamento da edição. A Vale não quis comentar o assunto.